segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Pequena Resenha Crítica

Por: Silas Correa Leite

O Belo Romance de Estréia “MORDE NA BOLACHA JUNTO COM A GOIABADA” de Celena Carneiro

A razão de existir

Uma revolta humanista

Albert Camus


-Romance de estréia... romance de estréia... sempre dá um frio na barriga, quando você lança um, quando você sabe de um. Como escrevo e, por assim dizer, sinto na pele a dor do outro, quando pego o romance de estréia de um autor novo, fico só sondado, no devir o que pode ser a baita sorte de acertar na mosca, quero dizer, na obra, e, a até natural forçada da barra do lançamento imaturo ou incompleto da obra que acaba também por assim dizer sendo um tiro no pé. Medidas as proporções, tendo em vista inclusive o próprio currículo da autora, fui a luta, quero dizer, dei uma bela pegada no romance “Morde na Bolacha Junto Com a Goiabada”, Edibrás, Uberlândia, 2010.

Surpresa!

-O romance está muito bem escrito, ainda que comedido, mesmo assim avança tranqüilo e com qualidade narrativa, na construção de personagens. A pacata vidinha de uma dona de casa, as filhas, o marido que aprende a tocar violão e muda tudo, pondo musica nos atos e no modo de pensar. Vila da Aranha e os arremedos do historial.

Rita e Hilda e Miguel. Pra começar. E o entorno, acontecências interioranas, cidade pacata, vida humilde. Tudo começa como um remanso de águas, a contação vai entrando no âmago de cada momento, parágrafos, inimizades, prismas. A primeira morte que é para sempre. O primo visitante que finca pé nas entranhas da história. A história sendo costurada evolui. Bolacha com goiabada é o mote. E um sinal. Um marco.

Rita que fazia poesias, que andava sem calcinha, que enreda tudo no entorno. Olhos, janelas, a mãe e a dura sobrevivência possível. História de interiores, aqui e ali levantando véus, panos. Idas e vindas. Retalhos de sentir. Ah as colchas de retalhos da vida desses brasis gerais de tantos contrastes...

O pai e o pano de fundo dos arremedos ditatoriais. O pai que some de circulação. Bolinhos de chuva, bolinhos de arroz, bolinhos de lágrimas. O amor e suas contradições. O chuchuzeiro sobre o poço perigoso. Cisternas íntimas. A máquina de costura da mãe e os panos pretos da vida triste. Narrativas lambendo paredes, íntimos, afetos e incompletudes. Cercanias e o amor que foi embora e deixou barriga e filho.

E conta:

“Rita sente vontade de rir, agora a vida ia ser diferente e ela queria uma cesta igual aquela em seu casamento.

O primo já teria servido o exército, estaria trabalhando em alguma fábrica daquelas que estavam abrindo no setor industrial e ela continuaria costurando.

Juntos ganhariam muito dinheiro e então...

Seus pensamentos são interrompidos pela chegada de Mário, ele tinha ido cedo para o quartel e disse que voltaria somente a notinha”

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E Celena Carneiro vai contando, pondo os olhos e os pés da gente na história que corre como um rio-romance.

O amor que se perdeu, a paixão que desertou do Exército em tempos tenebrosos. A guerrilha. Os campos do longe. As olhações no entorno. Você vai de bubuia nos causos e enredar deles na construção da obra.

Quando você lê, afinando a leitura, vê que a história refina-se e você passou da metade, dentro do mundo criacional da autora com boa mão conduzindo seus olhos, suas pensações, seu lado sentidor. Tudo tem cabimento. A vida o que é? Década de cinqüenta, de sessenta. Sofrências. Não é sempre assim, essa gente-humana desses cantões de um Brasil que fica num longe que nem cabe em nós, que nem sempre sabemos, que nem sempre achamos, sentimos, sacamos? Viver não é pré-pago.

Cadê o pai? Cadê vida? Cadê o amor? Cadê a esperança? Um dia as coisas mudam, ou nós nos mudamos das coisas? É preciso retratar esses tempos de penúrias. Dar testemunho.

Com uma gostosa linguagem de crônica, “Morde na Bolacha Junto com a Goiabada” é o romance de estréia de Celena Carneiro. E ela estréia bonito, com sua prosa bonita, aprumada, feitio e feminilidade de olhares como agulhas cerzindo situações, momentos e clarificações.

E quando você chega ao final das 148 páginas, os caminhos se entrecruzam, os desfechos vão se somando, se aprumam, tudo o que resta é o prazer de ter lido e a vontade gostosa de ter estado no prazer da leitura. O grande amor da vida tem uma benção: sobreviver para contar.

As palavras como um conjunto de linguagem que representa a dignidade humana. Resistir. E a arte como libertação do ser de si. O livro de estréia de Celena Carneiro, “MORDE NA BOLACHA JUNTO COM A GOIABADA”, põe açúcares e cores no prazer do ler gostoso da gente, pelo belo confeito de escrever da autora.

Silas Correa Leite

E-mail: poesilas@terra.com.br

www.portas-lapsos.zip.net

Autor de Campo de Trigo com Corvos, Contos, Editora Design, SC

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A MÍDIA COMERCIAL EM GUERRA CONTRA LULA E DILMA

por Leonardo Boff

Sou profundamente a favor da liberdade de expressão em nome da qual fui punido com o “silêncio obsequioso”pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o “Brasil Nunca Mais” onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do regime autoritário.

Esta história de vida, me avalisa fazer as críticas que ora faço ao atual enfrentamento entre o Presidente Lula e a midia comercial que reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de idéias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa. Está havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a mentira direta.

Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando vêem seus interesses comerciais e ideológicos contrariados, se comportam como “famiglia” mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião pública. São os donos do Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja na qual se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e xulo da imprensa brasileira. Estes estão a serviço de um bloco histórico, assentado sobre o capital que sempre explorou o povo e que não aceita um Presidente que vem deste povo. Mais que informar e fornecer material para a discusão pública, pois essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição.

Na sua fúria, quais desesperados e inapelavelmente derrotados, seus donos, editorialistas e analistas não têm o mínimo respeito devido à mais alta autoridade do pais, ao Presidente Lula. Nele vêem apenas um peão a ser tratado com o chicote da palavra que humilha.

Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser Presidente. Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica produzindo.

Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma) “a maioria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada, antiprogresssita, antinacional e nãocontemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo, Jeca Tatu, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que contiua achando que lhe pertence (p.16)”.

Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles tem pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascedente como Lula. Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o Presidene de todos os brasileiros. Isso para eles é simplesmente intolerável.

Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados de onde vem Lula e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coroneis e de “fazedores de cabeça” do povo. Quando Lula afirmou que “a opinião pública somos nós”, frase tão distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palavra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.

O povo cansado de ser governado pelas classes dominantes resolveu votar em si mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no Governo, operou uma revolução conceptual, inaceitável para elas. O Estado não se fez inimigo do povo, mas o indutor de mudanças profundas que beneficiaram mais de 30 milhões de brasileiros. De miseráveis se fizeram pobres laboriosos, de pobres laboriosos se fizeram classe média baixa e de classe média baixa de fizeram classe média. Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos para a escola, a ganhar mais salário, em fim, a melhorar de vida.

Outro conceito innovador foi o desenvolvimento com inclusão soicial e distribuição de renda. Antes havia apenas desenvolvimento/crescimento que beneficiava aos já beneficiados à custa das massas destituidas e com salários de fome. Agora ocorreu visível mobilização de classes, gerando satisfação das grandes maiorias e a esperança que tudo ainda pode ficar melhor. Concedemos que no Governo atual há um déficit de consciência e de práticas ecológicas. Mas importa reconhecer que Lula foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção dos mais marginalizados.

O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo de melhora e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a mídia comercial que assiste, assustada, o fortalecimento da soberania popular que se torna crítica, não mais manipulável e com vontade de ser ator dessa nova história democrática do Brasil. Vai ser uma democracia cada vez mais participativa e não apenas delegatícia. Esta abria amplo espaço à corrupção das elites e dava preponderância aos interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico que é a mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente pela VEJA faz questão de não ver, protagonista de mudanças sociais não somente com referência à terra mas também ao modelo econômico e às formas cooperativas de produção.

O que está em jogo neste enfrentamento entre a midia comercial e Lula/Dilma é a questão: que Brasil queremos? Aquele injusto, neocoloncial, neoglobalizado e no fundo, retrógrado e velhista ou o Brasil novo com sujeitos históricos novos, antes sempre mantidos à margem e agora despontando com energias novas para construir um Brasil que ainda nunca tínhamos visto antes.

Esse Brasil é combatido na pessoa do Presidente Lula e da candidata Dilma. Mas estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem força. Irão triunfar a despeito das má vontade deste setor endurecido da midia comercial e empresarial. A vitória de Dilma dará solidez a este caminho novo ansiado e construido com suor e sangue por tantas gerações de brasileiros.

*teólogo, filósofo, escritor e representante da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.

sábado, 25 de setembro de 2010

O BRASIL, PÓS LULA

Celena Carneiro

O Brasil pós Lula será o Brasil governado por Dilma Rousseff, a primeira presidenta de nosso país.

Lula chegou quebrando paradigmas, sendo o primeiro presidente sem formação universitária, sofreu com a critica impiedosa de seus fúteis carrascos, mas foi o melhor presidente de nosso país em tempos modernos, na era digital, informatizada e global.

Os anteriores possuíam formação universitária e o que fizeram pelo social? O que fizeram pelo povo que os elegeram?

Lula demonstrou ao longo de seu governo que a pessoa sem formação acadêmica, pode ser mais humana, ainda não se perdeu pelos caminhos teóricos e pouco consistentes da academia.

A instrução universitária é importante?

Sim. Muito importante.

Mas, em casos específicos, como do nosso presidente, não.

Essa formação ele a possuía, está interiorizada em sua essência iluminada e aí, a gente se pergunta, de onde veio?

Veio da experiência sofrida, onde tudo faltou e ele conseguiu torcer esse lençol de negatividade até sua última gota. De repente, pingou sua verdadeira essência, a humana.

O Brasil pós Lula é um povo mais fortalecido, com comida na mesa, crítico, não se deixa mais levar pela conversa enganadora da maioria dos políticos.

Nosso povo não mais se ilude com o discurso decorado dessa elite nefasta, que não mudou a cara, enquanto nós, eleitores, mudamos.

Outrora éramos paus bem mandados que faziam o que eles queriam. Hoje, temos maioridade de voto, somos eleitores experientes, percebemos em nossas narinas, abertas por Lula, onde está a podridão.

A carniça está nesses falsos políticos, sim, falsos, porque Lula nos ensinou até o que é a política, o que é confiável, portanto, podemos detectar à distância o mau cheiro desses hipócritas, que em épocas de eleições aparecem.

Entram em nossas casas mostrando em suas propagandas eleitoreiras, a cara daqueles que durante todo o processo não existiram, sempre estiveram à margem da sociedade.

Esse jogo político, vem com o único intuito de nos ludibriar, buscando uma chantagem emocional, tentando uma identificação com nossos sentimentos e desejos.

Lula não precisa fazer esse jogo, ele apenas nos fala, do jeito que sentimos e entendemos. Seus adversários e críticos ainda não abandonaram a soberba para entenderem o segredo desse homem.

Pois, eu lhes digo: É nato.

Só possuem essa dignidade aqueles que vivem e sentem o que transmitem. Está na alma, não é inverdade, nós a reconhecemos. Está além da aparência, no âmago dos sentimentos.

Lula, mesmo que não tenha essa formação dos bancos universitários, a possui. Ele sabe todas elas, com a vantagem de conhecer, também, a essência humana, a matéria da qual somos feitos, ou seja, a dele próprio, com sonhos, desejos e lágrimas.

Esses adversários que ele enfrentou e venceu ao longo de seu mandato, ainda não superaram a própria arrogância e estupefação e, com isso não aprenderam nada. Não entenderam que nós, eleitores, mudamos com a Era Lula. Nunca mais seremos manipulados por essa corja de inimigos do Brasil.

O povo brasileiro, hoje, possui, graças a Deus, o poder do voto para demonstrar toda sua repugnância, sua indignação, a todos vocês traidores da pátria, cínicos inimigos do povo, exploradores da credulidade humana, que só, tão somente só, almejam a ascensão material, roubar a confiança e os míseros benefícios que alguns possuem, enquanto a grande massa desfalece, perdem sua vida, sua dignidade.

O Brasil, pós Lula, é uma nação composta por indivíduos com maior criticidade que, felizmente, conseguiram aprimorar o olfato e cheirar onde está a putrefação.


sábado, 18 de setembro de 2010

O FIM DE UM CICLO EM QUE A VELHA MÍDIA FOI SOBERANA

Luis Nassif

Dia após dia, episódio após episódio, vem se confirmando o cenário que traçamos aqui desde meados do ano passado: o suicídio do PSDB apostando as fichas em José Serra; a reestruturação partidária pós-eleições; o novo papel de Aécio Neves no cenário político; o pacto espúrio de Serra com a velha mídia, destruindo a oposição e a reputação dos jornais; os riscos para a liberdade de opinião, caso ele fosse eleito; a perda gradativa de influência da velha mídia.
O provável anúncio da saída de Aécio Neves marca oficialmente o fim do PSDB e da aliança com a velha mídia carioca-paulista que lhe forneceu a hegemonia política de 1994 a 2002 e a hegemonia sobre a oposição no período posterior.
Daqui para frente, o outrora glorioso PSDB, que em outros tempos encarnou a esperança de racionalidade administrativa, de não-sectarismo, será reduzido a uma reedição do velho PRP (Partido Republicano Paulista), encastelado em São Paulo e comandado por um político – Geraldo Alckmin – sem expressão nacional.
Fim de um período odioso
Restarão os ecos da mais odiosa campanha política da moderna história brasileira – um processo que se iniciou cinco anos atrás, com o uso intensivo da injúria, o exercício recorrente do assassinato de reputações, conseguindo suplantar em baixaria e falta de escrúpulos até a campanha de Fernando Collor em 1989.
As quarenta capas de Veja – culminando com a que aparece chutando o presidente – entrarão para a história do anti-jornalismo nacional. Os ataques de parajornalistas a jornalistas, patrocinados por Serra e admitidos por Roberto Civita, marcarão a categoria por décadas, como símbolo do período mais abjeto de uma história que começa gloriosa, com a campanha das diretas, e se encerra melancólica, exibindo um esgoto a céu aberto.
Levará anos para que o rancor seja extirpado da comunidade dos jornalistas, diluindo o envenenamento geral que tomou conta da classe.
A verdadeira história desse desastre ainda levará algum tempo para ser contada, o pacto com diretores da velha mídia, a noite de São Bartolomeu, para afastar os dissidentes, os assassinatos de reputação de jornalistas e políticos, adversários e até aliados, bancados diretamente por Serra, a tentativa de criar dossiês contra Aécio, da mesma maneira que utilizou contra Roseana, Tasso e Paulo Renato.
O general que traiu seu exército
Do cenário político desaparecerá também o DEM, com seus militantes distribuindo-se pelo PMDB e pelo PV.
Encerra-se a carreira de Freire, Jungman, Itagiba, Guerra, Álvaro Dias, Virgilio, Heráclito, Bornhausen, do meu amigo Vellozo Lucas, de Márcio Fortes e tantos outros que apostaram suas fichas em uma liderança destrambelhada e egocêntrica, atuando à sombra das conspirações subterrâneas.
Em todo esse período, Serra pensou apenas nele. Sua campanha foi montada para blindá-lo e à família das informações que virão à tona com o livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr e da exposição de suas ligações com Daniel Dantas.
Todos os dias, obsessivamente, preocupou-se em vitimizar a filha e a ele, para que qualquer investigação futura sobre seus negócios possa ser rebatida com o argumento de perseguição política.
A interrupção da entrevista à CNT expôs de maneira didática essa estratégia que vinha sendo cantada há tempos aqui, para explicar uma campanha eleitoral sem pé nem cabeça. Seu argumento para Márcia Peltier foi: ocorreu um desrespeito aos direitos individuais da minha filha; o resto é desculpa para esconder o crime principal.
Para salvar a pele, não vacilou em destruir a oposição, em tentar destruir a estabilidade política, em liquidar com a carreira de seus seguidores mais fiéis.
Mesmo depois que todas as pesquisas qualitativas falavam na perda de votos com o denuncismo exacerbado, mesmo com o clima político tornando-se irrespirável, prosseguiu nessa aventura insana, afundando os aliados a cada nova pesquisa e a cada nova denúncia.
Com isso, expôs de tal maneira a filha, que não será mais possível varrer suas estripulias para debaixo do tapete.
A marcha da história
Os episódios dos últimos dias me lembram a lavagem das escadarias do Senhor do Bonfim. Dejetos, lixo, figuras soturnas, almas penadas, todos sendo varridos pela água abundante e revitalizadora da marcha da história.
Dia após dia, mês após mês, quem tem sensibilidade analítica percebia movimentos tectônicos irresistíveis da história.
Primeiro, o desabrochar de uma nova sociedade de consumo de massas, a ascensão dos novos brasileiros ao mercado de consumo e ao mercado político, o Bolsa Família com seu cartão eletrônico, libertando os eleitores dos currais controlados por coronéis regionais.
Depois, a construção gradativa de uma nova sociedade civil, organizando-se em torno de conselhos municipais, estaduais, ONGs, pontos de cultura, associações, sindicatos, conselhos de secretários, pela periferia e pela Internet, sepultando o velho modelo autárquico de governar sem conversar.
Mesmo debaixo do tiroteio cerrado, a nova opinião pública florescia através da blogosfera.
Foi de extremo simbolismo o episódio com o deputado do interior do Rio Grande do Sul, integrante do baixo clero, que resolveu enfrentar a poderosa Rede Globo.
Durante dias, jornalistas vociferantes investiram contra UM deputado inexpressivo, para puni-lo pelo atrevimento de enfrentar os deuses do Olimpo. Matérias no Jornal Nacional, reportagens em O Globo, ataques pela CBN, parecia o exército dos Estados Unidos se valendo das mais poderosas armas de destruição contra um pequeno povoado perdido.
E o gauchão, dando de ombros: meus eleitores não ligam para essa imprensa. Nem me lembro do seu nome. Mas seu desprezo pela força da velha mídia, sem nenhuma presunção de heroísmo, de fazer história, ainda será reconhecido como o momento mais simbólico dessa nova era.
Os novos tempos
A Rede Record ganhou musculatura, a Bandeirantes nunca teve alinhamento automático com a Globo, a ex-Manchete parece querer erguer-se da irrelevância.
De jornal nacional, com tiragem e influência distribuídas por todos os estados, a Folha foi se tornando mais e mais um jornal paulista, assim como o Estadão. A influência da velha mídia se viu reduzida à rede Globo e à CBN. A Abril se debate, faz das tripas coração para esconder a queda de tiragem da Veja.
A blogosfera foi se organizando de maneira espontânea, para enfrentar a barreira de desinformação, fazendo o contraponto à velha mídia não apenas entre leitores bem informados como também junto à imprensa fora do eixo Rio-São Paulo. O fim do controle das verbas publicitárias pela grande mídia, gradativamente passou a revitalizar a mídia do interior. Em temas nacionais, deixou de existir seu alinhamento automático com a velha mídia.
Em breve, mudanças na Lei Geral das Comunicações abrirão espaço para novos grupos entrarem, impondo finalmente a modernização e o arejamento ao derradeiro setor anacrônico de um país que clama pela modernização.
As ameaças à liberdade de opinião
Dia desses, me perguntaram no Twitter qual a probabilidade da imprensa ser calada pelo próximo governo. Disse que era de 25% - o percentual de votos de Serra. Espero, agora, que caia abaixo dos 20% e que seja ultrapassado pela umidade relativa do ar, para que um vento refrescante e revitalizador venha aliviar a política brasileira e o clima de São Paulo.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

NOS LABIRINTOS DA MORAL

Nesse livro, os autores Mário Sérgio Cortella, filósofo, emérito pensador da educação, ex-Secretário da Educação do estado de São Paulo e Yves de La Taille, professor no Instituto de Psicologia da USP, questionam vários aspectos educacionais, priorizando a ética e a moral.
Esse questionamento é travado em um diálogo muito esclarecedor e envolvente, pois, os autores narram fatos ocorridos em suas vidas de estudantes fazendo reflexões acerca dos valores da vida cotidiana, interligando com a educação, que é desenvolvida hoje nas escolas.
Mário Sérgio, (pág. 10) menciona:
Nosso estranhamento já é um reflexo do questionamento que estamos vivendo em relação aos valores. Quer dizer, o modelo de organização da vida, o nosso paradigma de existência, começa a ser questionado com bastante força...a temática dos valores aparece mais como queixa do que como convicção. Por vezes, é uma lamúria: “Essa juventude está perdida”. Aliás, alguns dizem “O mundo está perdido”. Costumo brincar dizendo que quem repete muito isso começa a se perder nesse mundo. Afinal, “perde-se” aquele que não compreende o que está acontecendo à sua volta, que não “se localiza”.
Com essa reflexão, ele está se referindo as quebras dos paradigmas que, nos dias atuais, mudam com muito mais rapidez e, as pessoas precisam se habituar com essas mudanças, precisam ser mais flexíveis e atentas.
Yves, (pág. 36), demonstra preocupação em relação as noções éticas, se referindo ao respeito com o outro dizendo:
E hoje ocorre a volta da preocupação ética, preocupação com a vida boa, mas nem com, nem para o outro – e menos ainda em instituições justas. Em 2004, fiz uma pesquisa em uma escola pública, com adolescentes dos três anos do ensino médio. Inicialmente pedi para que eles escrevessem, quanto quisessem, sobre o que desejariam ser, como gostariam de viver, imaginando-se daqui a dez anos, de maneira ideal.
Nessa pesquisa, Yves constatou que apenas um terço dos alunos se referiu ao outro como elemento integrante de sua vida no futuro. Com essa reflexão ele está nos alertando dos perigos da modernidade, onde as pessoas cada vez mais se isolam em seu mundo tecnológico, não buscam o convívio com o outro nem para o outro. Fazendo uma comparação com os jovens da década de sessenta, Yves demonstra preocupação, pois, aquele jovem estava preocupado com a sociedade, com o futuro da humanidade.
Em contrapartida, Mário Sérgio, (pág. 37), pensa que os jovens daquela geração não possuíam coragem, quando diz:
Então, retomando, acho que na década de 1960 nós “renovamos o guarda-roupa”, demolimos uma série de valores, entramos numa rota de normalidade e acabamos perdendo o impulso. Acho que foram utopias complacentes que feneceram. Do ponto de vista da nossa conversa, acho que nos faltaram virtudes, sobretudo a da coragem. Desenvolvemos a amizade, a benevolência apareceu como um valor de natureza mais religiosa, mas nos faltou a coragem.
Os autores continuam nesse debate com relação às mudanças ocorridas nas últimas décadas. Abordam a ditadura militar como uma fase importante que testou a bravura e coragem dos jovens ao se rebelarem e contestarem, mas, ainda assim, tanto Mário Sérgio como Yves, concordam que havia um misto de romantismo envolvendo esses movimentos de bravura.
Ao longo do livro, os autores discutem várias questões éticas filosóficas, principalmente, com relação a sociedade e a educação. Para Yves, (pág. 109):
“No começo do século XX, os grandes edificadores, as pessoas mais importantes da sociedade eram freqüentemente educadores: Freinet, Montessori, Paulo Freire, aqui no Brasil, entre outros. Porém atualmente, a escola está tímida”. Mário Sérgio, concorda e acrescenta que a escola deve cumprir o seu papel, mesmo que, a responsabilidade não seja apenas sua, é tarefa prioritária da escola formar pessoas que valorizem a ética e a moral. Yves, (pág. 110), reafirma:
Isso, ferramenta para um mundo melhor. Não apenas para a obtenção de um emprego, embora também para isso, evidentemente. A escola é uma instituição organizada por adultos, dirigida por adultos, pensada por adultos. Será que eles estão dispostos? Devem estar. É um dever deles, para eles próprios, aliás.
Finalizando, na mesma página, Mário Sérgio, acrescenta:
Não podem não estar. Aliás, como estamos fechando a conversa, cito o Apocalipse, que é um bom livro para fechar nosso debate. No Apocalipse há uma frase assustadora que diz: “Deus vomitará os mornos”. O pior castigo no Apocalipse é o vômito de Deus. Logo, “Deus vomitará os mornos”, os que não são quentes nem frios – portanto, os que não têm honra.
As reflexões abordadas nesse livro, nos levam a buscar alternativas, como educadores, para as inúmeras situações com as quais convivemos diariamente, sejam elas nas escolas e, ou em nossa vida cotidiana. É um bate papo despretensioso entre os autores, mas de grande importância, pois, podemos aproveitar em nosso próprio benefício e dos outros.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O Globo é o jornal do apartheid?

Luiz Carlos AzenhaAssunto

Carta aberta sobre as cotas na UFRJ
Ao contrário do que pretendem afirmar alguns setores da imprensa, o debate em torno de políticas afirmativas e de sua implementação no ensino universitário brasileiro não pertence à UFRJ, à USP ou a qualquer setor, “racialista” ou não, da sociedade. Soma-se quase uma década de reflexões, envolvendo intelectuais, dirigentes de instituições de ensino, movimentos sociais e movimento estudantil, parlamentares e juristas.
Atualmente, cerca de 130 universidades públicas brasileiras já adotaram políticas afirmativas – entre as quais, a das cotas raciais – como critério de acesso à formação universitária. Entre estas instituições figuram a UFMG, a UFRGS, a Unicamp, a UnB e a USP, que estão entre as mais importantes universidades brasileiras.
Em editorial da última terça-feira, 17 de agosto, intitulado “UFRJ rejeita insensatas cotas raciais”, o jornal O Globo assume, de forma facciosa, uma posição contrária a essas políticas afirmativas. O texto desmerece as ações encaminhadas por mais de cem universidades públicas e tenta sugestionar o debate em curso na UFRJ. Distorcendo os fatos, o editorial fala em “inconstitucionalidade” da aplicação do sistema de cotas, quando, na verdade, o que está em pauta no Supremo Tribunal Federal não é a constitucionalidade das cotas, mas os critérios utilizados na UnB para a aplicação de suas políticas afirmativas.
Na última década, enquanto a discussão crescia em todo o país, a UFRJ deu poucos passos, ou quase nenhum, para fazer avançar o debate sobre as políticas públicas. O acesso dos estudantes à UFRJ continua limitado ao vestibular, com uma mera pré-seleção por meio do ENEM, o que significa um processo ainda excludente de seleção para a entrada na universidade pública. Apesar disso, do mês de março para cá, o debate sobre as cotas foi relançado na UFRJ e, hoje, várias decisões podem ser tomadas com melhor conhecimento do problema e das posições dos diferentes setores da sociedade em relação ao assunto.
Se pretendemos avançar rumo a uma democracia real, capaz de assegurar espaços de oportunidades iguais para todos, o acesso à universidade pública deve ser repensado. Isto significa que é preciso levar em conta os diferentes perfis dos estudantes brasileiros, em vez de seguir camuflando a realidade com discursos sobre “mérito” (como se a própria noção não fosse problemática e como se fosse possível comparar méritos de pessoas de condição social e trajetórias totalmente díspares) ou sobre “miscigenação” (como se não houvesse uma história de exclusão dos “menos mestiços” bem atrás de todos nós).
Cotas sociais – e, fundamentalmente, aquelas que reconhecem a dívida histórica do Brasil em relação aos negros – abrem caminhos para que pobres dêem prosseguimento aos seus estudos, prejudicado por um ensino básico predominantemente deficiente. Só assim os dirigentes e professores das universidades brasileiras poderão continuar fazendo seu trabalho de cabeça erguida. Só assim a comunidade universitária poderá avançar, junto com o país e na contra-mão da imprensa retrógrada, representada por O Globo, em direção a um reconhecimento necessário dos crimes da escravidão, crimes que, justamente, por ainda não terem sido reconhecidos como crimes que são, se perpetuam no apartheid social em que vivemos.
Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2010

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

DILMA ACERTA A MÃO

Rodrigo Vianna
Assunto: Dilma acerta a mão; Serra quer virar “Zé”

Vocês são testemunhas de que eu procuro não misturar as minhas opiniões com a realidade. É um esforço nem sempre bem sucedido. Mas eu tento. No debate da Band, por exemplo, aquele que deu só 3 pontos de audiência, Dilma não foi bem. O debate foi morno, sem graça. Serra, tecnicamente, saiu-se melhor – no limite de suas possibilidades. E Plinio deu o tom, com provocações autênticas. Fiz questão de dizer tudo isso; era o que eu tinha visto.
Ontem, começou o horario gratuito na TV. E vou contar o que vi. Ao lado de uma amiga, editora, fiquei na Redação de olhos na TV, pra avaliar os programas da noite. De forma técnica. Sem paixão.
O programa da Dilma foi um show. Locações bonitas (Dilma no Chuí, Lula no rio Madeira – isso logo na abertura); qualidade de imagem (textura de cinema); artes (é o nome que damos aos “quadrinhos” e números que entram numa reportagem; exemplo: o Brasil vai crescer “XXX %”, e o XXX% aparece na tela) bem cuidadas, inseridas nas imagens, num belíssimo trabalho de pós-produção (é o acabamento que se dá a um programa ou uma reportagem na TV). O programa acertou na forma – o que é importantíssimo, ainda mais na estréia!
No conteúdo, então, arrebentou. Coragem pra falar logo da trajetória de Dilma, citando a militância e a prisão durante a ditadura, e da parceria com Lula – na medida certa. Foi um programa em que Lula não apareceu mais que Dilma, e nem sumiu – porque seria falso, ela é a candidata dele. Foi um programa em que Lula passou o bastão a Dilma. De forma eficiente, corajosa e, ao mesmo tempo, emocionante.
Mas e o Serra?
Sinceramente, “deu até pena” – como falou minha amiga. As imagens (pelo menos no programa da noite) pareciam “lavadas”, sem brilho. Na hora, eu virei pra Marcia e perguntei: “será que é arquivo, não pode ser, eles não iam usar arquivo no programa de estréia”. Hoje, leio nos jornais, que usaram sim material que já tinha ido ao ar no programa do PSDB de dois meses atrás.
A linguagem do programa de Serra era envelhecida, parecia propaganda do Covas a governador dez anos atrás. A turma que faz a campanha de Serra é da GW- produtora que esrá com os tucanos há muitos anos. Parece que esse pessoal perdeu a capacidade de criar, investiu numa fórmula pronta: Serra visitando eleitores, em situações que supostamente seriam de emoção (mas não emocionaram de verdade). Ficou tudo velho e postiço – tão postiço como a favela estilizada em estúdio (tucanos não conseguem gravar numa favela de verdade?), ou a tentativa de popularizar Serra, chamando o candidadto de “Zé”. Foi triste de ver.
Pode ser que eles mudem, e acertem a mão nos próximos dias. Mas a estréia foi terrível para os tucanos.
E ainda gerou uma cacofonia hilária: o “Serra comedor” é atração no twitter hoje – http://www.youtube.com/watch?v=affm3n1CFVs&NR=1
Deve ser uma tentativa de comer Dilma pelas beiradas. Do jeito que começou, será difícil! Coitado do Serra…

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A TROCA

Lygia Bojunga Nunes

Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena
os livros me deram casa e comida.
Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo;
em pé, fazia parede; deitado, fazia degrau de escada; inclinado,
encostava num outro e fazia telhado. E quando a casinha
ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar
em livro.
De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto
olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois
decifrando palavras.
Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça. Mas
fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntimas
a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o
telhado ou de construir novas casas. Só por causa de uma razão:
o livro agora alimentava a minha imaginação.
Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia;
e de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo
inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu, era só escolher
e pronto, o livro me dava.
Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca
tão gostosa que – no meu jeito de ver as coisas – é a troca
da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me
dava.
Mas como a gente tem mania de sempre querer mais,
eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo
pra – em algum lugar – uma criança juntar com outros, e levantar
a casa onde ela vai morar.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

CARTA DE JOÃO UBALDO PARA FHC (ANTIGA)

Senhor Presidente – João Ubaldo Ribeiro
25 de outubro de 1998

Senhor Presidente,

Antes de mais nada, quero tornar a parabenizá-lo pela sua vitória estrondosa nas urnas. Eu não gostei do resultado, como, aliás, não gosto do senhor, embora afirme isto com respeito. Explicito este meu respeito em dois motivos, por ordem de importância. O primeiro deles é que, como qualquer semelhante nosso, inclusive os milhões de miseráveis que o senhor volta a presidir, o senhor merece intrinsecamente o meu respeito. O segundo motivo é que o senhor incorpora uma instituição basilar de nosso sistema político, que é a Presidência da República, e eu devo respeito a essa instituição e jamais a insultaria, fosse o senhor ou qualquer outro seu ocupante legítimo. Talvez o senhor nem leia o que agora escrevo e, certamente, estará se lixando para um besta de um assim chamado intelectual, mero autor de uns pares de livros e de uns milhares de crônicas que jamais lhe causarão mossa. Mas eu quero dar meu recadinho.
Respeito também o senhor porque sei que meu respeito, ainda que talvez seja relutante privadamente, me é retribuído e não o faria abdicar de alguns compromissos com que, justiça seja feita, o senhor há mantido em sua vida pública – o mais importante dos quais é com a liberdade de expressão e opinião. O senhor, contudo, em quem antes votei, me traiu, assim como traiu muitos outros como eu. Ainda que obscuramente, sou do mesmo ramo profissional que o senhor, pois ensinei ciência política em universidades da Bahia e sei que o senhor é um sociólogo medíocre, cujo livro O Modelo Político Brasileiro me pareceu um amontoado de obviedades que não fizeram, nem fazem, falta ao nosso pensamento sociológico. Mas, como dizia antigo personagem de Jô Soares, eu acreditei.
O senhor entrou para a História não só como nosso presidente, como o primeiro a ser reeleito. Parabéns, outra vez, mas o senhor nos traiu. O senhor era admirado por gente como eu, em função de uma postura ética e política que o levou ao exílio e ao sofrimento em nome de causas em que acreditávamos, ou pelo menos nós pensávamos que o senhor acreditava, da mesma forma que hoje acha mais conveniente professar crença em Deus do que negá-la, como antes. Em determinados momentos de seu governo, o senhor chegou a fazer críticas, às vezes acirradas, a seu próprio governo, como se não fosse o senhor seu mandatário principal. O senhor, que já passou pelo ridículo de sentar-se na cadeira do prefeito de São Paulo, na convicção de que já estava eleito, hoje pensa que é um político competente e, possivelmente, tem Maquiavel na cabeceira da cama. O senhor não é uma coisa nem outra, o buraco é bem mais embaixo. Político competente é Antônio Carlos Magalhães, que manda no Brasil e, como já disse aqui, se ele fosse candidato, votaria nele e lhe continuaria a fazer oposição, mas pelo menos ele seria um presidente bem mais macho que o senhor.
Não gosto do senhor, mas não tenho ódio, é apenas uma divergência histórico-glandular. O senhor assumiu o governo em cima de um plano financeiro que o senhor sabe que não é seu, até porque lhe falta competência até para entendê-lo em sua inteireza e hoje, levado em grande parte por esse plano, nos governa novamente. Como já disse na semana passada, não lhe quero mal, desejo até grande sucesso para o senhor em sua próxima gestão, não, claro, por sua causa, mas por causa do povo brasileiro, pelo qual tenho tanto amor que agora mesmo, enquanto escrevo, estou chorando.
Eu ouso lembrar ao senhor, que tanto brilha, ao falar francês ou espanhol (inglês eu falo melhor, pode crer) em suas idas e vindas pelo mundo, à nossa custa, que o senhor é o presidente de um povo miserável, com umas das mais iníquas distribuições de renda do planeta. Ouso lembrar que um dos feitos mais memoráveis de seu governo, que ora se passa para que outro se inicie, foi o socorro, igualmente a nossa custa, a bancos ladrões, cujos responsáveis permanecem e permanecerão impunes. Ouso dizer que o senhor não fez nada que o engrandeça junto aos corações de muitos compatriotas, como eu. Ouso recordar que o senhor, numa demonstração inacreditável de insensibilidade, aconselhou a todos os brasileiros que fizessem check-ups médicos regulares. Ouso rememorar o senhor chamando os aposentados brasileiros de vagabundos. Claro, o senhor foi consagrado nas urnas pelo povo e não serei eu que terei a arrogância de dizer que estou certo e o povo está errado. Como já pedi na semana passada, Deus o assista, presidente. Paradoxal como pareça, eu torço pelo senhor, porque torço pelo povo de famintos, esfarrapados, humilhados, injustiçados e desgraçados, com o qual o senhor, em seu palácio, não convive, mas eu, que inclusive sou nordestino, conheço muito bem. E ouso recear que, depois de novamente empossado, o senhor minta outra vez e traga tantas ou mais desditas à classe média do que seu antecessor que hoje vive em Miami.
Já trocamos duas ou três palavras, quando nos vimos em solenidades da Academia Brasileira de Letras. Se o senhor, ao por acaso estar lá outra vez, dignar-se a me estender a mão, eu a apertarei deferentemente, pois não desacato o presidente de meu país. Mas não é necessário que o senhor passe por esse constrangimento, pois, do mesmo jeito que o senhor pode fingir que não me vê, a mesma coisa posso eu fazer. E, falando na Academia, me ocorre agora que o senhor venha a querer coroar sua carreira de glórias entrando para ela. Sou um pouco mais mocinho do que o senhor e não tenho nenhum poder, a não ser afetivo, sobre meus queridos confrades. Mas, se na ocasião eu tiver algum outro poder, o senhor só entra lá na minha vaga, com direito a meu lugar no mausoléu dos imortais.

terça-feira, 20 de julho de 2010

ÚLTIMA CANTIGA DE NINAR

Naquele dia Júlia havia deixado sua bicicleta em casa, precisava passar no supermercado após o trabalho.
Quando entrou no ônibus com as sacolas abarrotadas de compras, que o peso fazia com que as alças provocassem em suas mãos um vergão vermelho, procurou com os olhos, aflitos, um banco para sentar. Mas, percebeu que seria inútil alimentar essa esperança, ainda mais naquele horário da noitinha, em que todas as pessoas, como ela, estavam retornando para suas casas, após um estafante dia de trabalho.
Júlia procurou ajeitar as sacolas da melhor forma possível junto às pernas, no assoalho do ônibus, segurando em uma das mãos, aquela que continha ovos e a bandeja de iogurte. Com a outra mão tentava segurar-se nas poltronas dos passageiros, que a olhavam com um certo aborrecimento por se sentirem incomodados.
Em uma freada mais brusca, uma lata de extrato de tomate acompanhada de laranjas e cebolas saem rolando pelo corredor apertado, entre os pés das pessoas. Júlia agradece a cooperação de um ou outro passageiro que consegue interromper a fuga de suas mercadorias, ajudando-a colocar novamente na sacola.
Em casa as crianças fazem a festa, vendo as compras. Como é bom vê-los abrindo as sacolas, felizes, confiantes no que vão encontrar.
___ Que legal! A mamãe trouxe iogurte, vamos ter sobremesa após o jantar.
___ Não. O iogurte é pra gente tomar no café da manhã, não é mamãe?
___ Oba! A mamãe trouxe sucrilhos, eu adoro sucrilhos.

Júlia já está no fogão preparando o jantar. As mãos ainda doloridas, lavam com amor e rapidez os legumes, corta o frango em pedaços menores, descasca o alho, amassa e coloca na panela. Ah! É maravilhoso o cheirinho de alho fritando no azeite, trazendo aquela sensação de bem estar e abundância. Aquece a casa, além disso, fortalece as crianças, evitando os resfriados.
Júlia é uma mulher forte, se não fosse tinha que ser e, isso pra ela bastava. Sua fortaleza vinha daqueles momentos em que via seus filhos se alimentarem, sabia ser responsável por aquelas vidas, o alimento aquecia seus corpos e suas almas.

___ Venham escovar os dentes. Depois quero ver os cadernos, onde estão as lições de casa? E os uniformes. Deixe-me ver. Nossa! Como essa camiseta está suja! Vou lavar e secar no ferro amanhã de manhã, antes de ir trabalhar. ___ Olhe as orelhas no caderno, a professora vai ficar brava. ___ Faça a letra assim mais redondinha. Muito bem sua redação está linda!

___ Vamos crianças, coloquem os pijamas enquanto a mamãe vai tomar banho, quero ver a novela.
___ Mas, mamãe, você nunca consegue assistir a novela, todo dia dorme no sofá.
Ela sabia que eles tinham razão. Como gostaria de ver televisão, conversar mais com eles, brincar um pouco. Ó, Deus! Estou perdendo a infância de meus filhos! Culpa. Sentia-se culpada. Mas, com esse sentimento não conseguiria criar seus filhos. Eles precisavam de alimento, cama com lençóis limpos e cobertores para aquecer seus pequenos corpos. Sim, eram motivos justos, prementes. Engoliu o soluço, tinha que ser assim.

___ Mamãe acorda, vamos pra cama, seu pescoço vai ficar doendo aí no sofá, venha. As pequenas mãos tentavam levantá-la do sofá.
Essa rotina noturna confortava um pouco a exaustão de seu corpo. Gostava dessa preocupação carinhosa dos filhos e, às vezes, fingia continuar dormindo para prolongar esse momento de íntima felicidade.

Júlia deu corda no despertador, acertou o horário e o colocou dentro de um caldeirão de alumínio. Essa era uma tática para aumentar o ruído da campainha ao despertar e ela acordar, sem perder a hora.
Para chegar ao trabalho, às cinco horas da manhã, tinha que levantar-se com uma hora e meia de antecedência. Preparar o café da manhã das crianças, o almoço, passar os uniformes e, finalmente, percorrer em sua bicicleta os quatro quilômetros de estrada, até a firma onde trabalhava.
Entra no quarto das crianças, pé ante pé, estão em profundo sono. Um beijo em suas frontes, uma ajeitada nas cobertas, uma oração, um pedido de proteção.
Já na estrada em sua bicicleta, para aliviar o medo na escuridão da madrugada, Júlia vai pedalando e cantarolando a cantiga de ninar que não deu tempo de cantar para seus filhos, desejando que eles não acordem, dando por sua falta e sintam medo.
A chuva fininha que começa a cair, misturam-se às lágrimas que teimam em rolar por sua face, de repente uma buzina, uma luz forte, ofuscando ainda mais seus olhos, um caminhão, as freadas, os enormes pneus. Ó, Deus! Meus filhos. Que será de meus filhos...
Acabou. Tudo agora é silêncio. Um profundo silêncio.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

EM NOME DE DEUS

O filme é baseado em fatos reais, a história de amor entre Pierre Abélard (1079-1142) teólogo e filósofo francês, nascido em Le Pallet, perto de Nantes, considerado um dos maiores intelectuais do século XII e sua aluna Héloise (1100-1164), sobrinha do cônego Fulbert, aconteceu em um momento, onde a igreja católica era a principal referencia na vida das pessoas e detentora de enorme poder político. Professores de filosofia deviam ser celibatários, portanto, Abelardo e Heloísa eram impedidos pela igreja de assumir seu romance. Após ser castrado ele se tornou monge no mosteiro de Saint-Denise, onde continuou lecionando, e ela freira em um convento de Argenteuil.

RESENHA

As duas cenas, do filme, que mexeram muito comigo, respectivamente, foram as cenas de sexo, entre Abelardo e Heloisa, no estábulo e quando Heloisa procura o tio para amaldiçoá-lo.
Na primeira, me emocionei pelo sabor do secreto, aquilo que não pode ser contido e precisa ser escondido, mas, devido ao próprio envolvimento de paixão em que se encontram, eles não se asseguram desse segredo. Não tomam as devidas precauções porque estão em estado de encantamento, onde, em nome desse amor estão cegos para o perigo, mesmo sabendo que ele existe.
Esse sentimento de abrir a guarda, ficar vulnerável, ser tomado por uma paixão inconseqüente, no caso de Abelardo, contrário a tudo aquilo que dantes ele acreditava e pregava.
De repente, ele é sucumbido ao golpe inesperado do amor, buscando qualquer lugar onde possam estar juntos, seja em local confortável e apropriado ou, em um estábulo, no chão cheio de estrumes, moscas, cheiro de animais que, na realidade naquele momento eles são, verdadeiramente, levados apenas pelo instinto animal que existe em todos nós.
Na segunda cena, também muito forte, estimulada pelo ódio, outro sentimento tão poderoso quanto o amor da primeira cena, Heloisa joga sobre o tio sua maldição pelo resto de sua vida e por toda a eternidade, desejando que ele queime no fogo do inferno por todo o sempre, porque foi a causa de sua infelicidade. Foi ele quem mandou castrar o homem que ela amava, condenando-os a mais cruel vida, pois, castrou não apenas a parte física, mas, principalmente, todos os sonhos e desejos que alimentavam aquele amor.
A amizade incondicional de um dos alunos e amigo de Abelardo, Jourdain, que, também, amava Heloísa, mas, renunciou a esse amor por saber que ela nunca deixaria de amar o professor. Apesar disso, Jourdain continuou acompanhando-os e auxiliando-os sem esperar nada em troca, se tornando ainda protetor do filho que eles tinham deixado com a irmã de Abelardo, sendo por ela criado.
Falar sobre amizade e fidelidade nos dias atuais nos faz pessoas melhores, diante de tantos valores esquecidos e pouco usuais. Quando assistimos cenas, mesmo que fictícias, enaltecendo esses sentimentos, precisamos divulgar e refletir sobre isso.
A fidelidade religiosa de Abelardo é comovente. Após ser mutilado e sofrendo dores terríveis, ele se voltou pra Deus e disse ser merecedor do castigo. Mesmo quando estava tendo relações sexuais com Heloísa, ele conservava essa fidelidade a Deus e se sentia culpado.
Após a castração, entendeu que aquilo foi uma punição e entregou sua vida, definitivamente, ao desenvolvimento de sua religiosidade.
É lindo ver a forma que o professor lidava com seus alunos, em um clima de liberdade e cumplicidade, sem sala de aula, sem carteiras, andando entre os educandos, filosofando, instigando o debate. Seu modo de lecionar, bem liberal pra época, provocava raiva e inveja em alguns religiosos, mas, recebia o apoio do Bispo por trazer pessoas a Paris para conhece-lo, portanto, estimulava os negócios da igreja.
O filme é belíssimo, com fortes cenas de amor e dedicação humana, tanto do lado de Heloisa, que mesmo não gostando e contestando as crenças da igreja católica, se entregou ao convento por amor a Abelardo, quando esse lhe pediu para ela se tornar freira. Heloísa fez um trabalho muito importante dentro do convento, protegendo as demais freiras, notadamente, as mais idosas.
Por outro lado, Abelardo nos dá testemunho de extrema dedicação a igreja e a educação, prosseguindo sua tarefa como educador, sempre acompanhado por seus alunos, seus seguidores fiéis.
Sempre que assistimos algum filme, aprimoramos nosso olhar, não apenas com relação aos processos educativos, mas, em relação a própria vida. A educação está presente em tudo, tanto na vida real quanto na ficção, estamos sempre envolvidos com esse processo.

terça-feira, 22 de junho de 2010

O poema do semelhante

De Elisa Lucinda

O Deus da parecença
que nos costura em igualdade
que nos papel-carboniza
em sentimento
que nos pluraliza
que nos banaliza
por baixo e por dentro,
foi este Deus que deu
destino aos meus versos,
Foi Ele quem arrancou deles
a roupa de indivíduo
e deu-lhes outra de indivíduo
ainda maior, embora mais justa.
Me assusta e acalma
ser portadora de várias almas
de um só som comum e
coser reverberante
espelho, semelhante
ser a boca
ser a dona da palavra sem dono
de tanto dono que tem.
Esse Deus sabe que alguém é apenas
o singular da palavra multidão
É mundão
todo mundo beija
todo mundo almeja
todo mundo deseja
todo mundo chora
alguns por dentro
alguns por fora
alguém sempre chega
alguém sempre demora.
O Deus que cuida donão-desperdício
dos poetas
deu-me essa festa
de similitude
bateu-me no peito do meu amigo
encostou-me a ele
em atitude de verso beijo e umbigos,
extirpou de mim o exclusivo:
a solidão da bravura
a solidão do medo
a solidão da usura
a solidão da coragem
a solidão da bobagem
a solidão da virtude
a solidão da viagem
a solidão do erro
a solidão do sexo
a solidão do zelo
a solidão do nexo.
O Deus soprador de carmas
deu de eu ser parecida
Aparecida
santa
puta
criança
deu de me fazer
diferente
pra que eu provasse
da alegria
de ser igual a toda gente
Esse Deus deu coletivo
ao meu particular
sem eu nem reclamar
Foi Ele, o Deus da par-essência
O Deus da essência par.
Não fosse a inteligência
da semelhança
seria só o meu amor
seria só a minha dor
bobinha e sem bonança
seria sozinha minha esperança

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS

Mario de Andrade

"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral. As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa... Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade... Só há que caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O essencial faz a vida valer a pena.E para mim, basta o essencial”.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

VOTO CRISTÃO...

O chamado voto cristão é aquele que a igreja prega aos seus fiéis, procurando incutir em suas cabeças, que ao elegerem um candidato da mesma crença religiosa deles, estará demonstrando com isso a superioridade daquele povo escolhido por Deus.
Essa questão da superioridade religiosa, é um recurso muito eficaz que o candidato utiliza para convencer seus fiéis, diante da imensa rivalidade que existe entre as religiões.
As doutrinas evangélicas são as mais competitivas, portanto, com esse espírito acirrado de supremacia religiosa, o candidato evangélico procura garantir sua vitória nas urnas, com um discurso que eleva a auto-estima de seus seguidores religiosos, enaltecendo neles esse sentimento de verdadeiros filhos de Deus, os outros são os filhos do mundo.
Outra argumentação que os candidatos da igreja utilizam, é com relação as inúmeras promessas que os políticos fazem e nunca cumprem. Ao serem eleitos nunca mais aparecem. Já os candidatos da igreja, estão ali bem próximos dos fiéis, podem ser tocados e cobrados, é um igual a eles.
Alguns candidatos das igrejas são mais astutos ainda e, conhecem outras tantas formas de convencer o eleitor de seu curral eleitoral, chamando seus fiéis de Rebanhos de Deus.
Eles vão fazendo alusões à bíblia, deixando seu eleitorado convencido de que algo extraordinário deverá acontecer após as eleições, com a vitória de seu candidato, já eleito por Deus.
São inúmeras as artimanhas utilizadas pelos religiosos, detentores do poder dentro das igrejas. Seu eleitorado é facilmente manipulado, pois, são crédulos e temerosos.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

ESSE PODER...

Em ano de eleição, mais uma vez o discurso político, cheio de eloqüência e retórica fascinante, proferido por políticos ávidos pelo poder, mas sem comprometimento com seus eleitores, continuam com suas falsas promessas de campanhas e as sórdidas jogadas eleitoreiras.
A falta de educação em nosso país é o principal incentivo para esses políticos, alimentando-lhes a sanha corrupta, e cada vez mais eles vão se tornando peritos em desempenhar o papel de salvadores da pátria, visando conquistar o voto do povo com promessas, que estão longe de cumprir.
Esse olhar de mercadoria sobre o voto, prevalece em todas as regiões do Brasil, em menor ou maior quantidade. Em plena democracia, vamos observar que esse coronelismo, da época da República, ainda atua em vários setores de nossa sociedade. Mudou apenas o nome, mas, as seqüelas são tão ou mais nocivas que as de antigamente, sempre com a opressão de pessoas e, até, de comunidades inteiras. Famílias que se vêem nas mãos de verdadeiras gangues criminosas, sem nenhuma proteção governamental em prol de suas cidadanias e, ou, direitos humanos, a mercê de policiais corruptos, formados pelas milícias.
Enquanto isso, nossos políticos continuam desenvolvendo com perícia a arte de discursar. Elaboram seus discursos com promessas visando comover e seduzir seus ouvintes por meio de palavras de persuasão, argumentando de forma convincente sobre as inúmeras mazelas que afetam a vida das pessoas, com o único interesse do voto.
Até quando vamos conviver com essa situação é a pergunta que não quer calar. Mais uma avalanche de discursos e estratégias políticas já estão se formando em nosso cenário político. Já foi dada a partida, as cartas estão na mesa e vencerá aquele que souber manipula-las com maior e, ou melhor maestria, mas, infelizmente, a ética, a moral, o respeito e a fidelidade não fazem parte desse jogo.

sábado, 22 de maio de 2010

LUA NOVA DEMAIS

Elisa Lucinda

Dorme tensa a pequena sozinha como que suspensa no céu
Vira mulher sem saber sem brinco, sem pulseira, sem anel sem espelho, sem conselho, laço de cabelo, bambolê
Sem mãe perto, sem pai certo sem cama certa, sem coberta, vira mulher com medo, vira mulher sempre cedo.
Menina de enredo triste, dedo em riste, contra o que não sabe quanto ao que ninguém lhe disse.
A malandragem, a molequice se misturam aos peitinhos novos furando a roupa de garoto que lhe dão dentro da qual mestruará sempre com a mesma calcinha, sem absorvente, sem escova de dente, sem pano quente, sem O B.Tudo é nojo, medo, misturação de “cadês.”
E a cólica, a dor de cabeça, é sempre a mesma merda, a mesma dor, de não ter colo, parque pracinha, penteadeira, pátria.
Ela lua pequenininha não tem batom, planeta, caneta, diário, hemisfério,
Sem entender seu mistério, ela luta até dormir mas é menina ainda; chupa o dedo
E tem medo de ser estuprada pelos bêbados mendigos do Aterrotem medo de ser machucada, medo.
Depois mestrua e muda de medo o de ser engravidada, emprenhada, na noite do mesmo Aterro.
Tem medo do pai desse filho ser preso, tem medo, medo
Ela que nunca pode ser ela direito, ela que nem ensaiou o jeito com a boneca vai ter que ser mãe depressa na calçada ter filho sem pensar, ter filho por azar ser mãe e vítima
Ter filho pra doer, pra bater, pra abandonar.
Se dorme, dorme nada, é o corpo que se larga, que se rende ao cansaço da fome, da miséria, da mágoa deslavada dorme de boca fechada, olhos abertos, vagina trancada.
Ser ela assim na rua é estar sempre por ser atropelada pelo pau sem dono dos outros meninos-homens sofridos, do louco varrido, pela polícia mascarada.
Fosse ela cuidada, tivesse abrigo onde dormir, caminho onde ir, roupa lavada, escola, manicure, máquina de costura, bordado, pintura, teatro, abraço, casaco de lã podia borralheira acordar um dia cidadã.
Sonha quem cante pra ela: “Se essa Lua, Se essa Lua fosse minha...”Sonha em ser amada, ter Natal, filhos felizes, marido, vestido, pagode sábado no quintal.
Sonha e acorda mal porque menina na rua, é muito nova é lua pequena demais é ser só cratera, só buracos, sem pele, desprotegida, destratada pela vida crua
É estar sozinha, cheia de perguntas sem resposta sempre exposta, pobre lua
É ser menina-mulher com frio mas sempre nua.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

APATIA

O rosto é pálido, o riso apagado
Sua voz, apenas um murmúrio
Parece um bichinho alado
Observo seu vôo solitário
Intriga-me sua apatia
Então fico a cismar
Como penetrar sua magia

Se te falo, não me entende
Se te abraço, se desvencilha
Preciso aprender o caminho, menino
Para chegar a você, com sabedoria
Preciso descobrir um jeito, menino
De trazer você pra mim, com alegria

quarta-feira, 12 de maio de 2010

SIVESTRE

Como brinca
Como corre
Como é valente
Como é viril
Serra os punhos vai pra briga
Não resiste a um desafio
Rola no chão
Esquenta a torcida
No corpo a corpo, parece um guerreiro
Quando é surpreendido
Sai disfarçando sorrateiro

As másculas formas já definidas
De seu arrojado corpinho
O porte altivo, confiante
Inspira receio ao amiguinho
Mas, eu sei, que você no fundo
Não é nada arrogante
Apenas a sua impetuosidade
O faz assim tão vibrante

Estou sempre vigilante
Aos seus momentos de arroubos
Para evitar que cause danos
A quem está na redondeza
Meu pequeno menino selvagem
Que desconhece a sutileza
As vezes me perco a contemplar
A beleza de sua macheza

quarta-feira, 5 de maio de 2010

SONHADOR...

Sua energia,
Sua alegria
Contagia minha alma
Te ver correr
Te ver brincar
Me leva a euforia
O rubro forte de suas bochechas
Transluz vitalidade
Os olhos límpidos risonhos
Me falam de sonhos e ingenuidade

Para sonhos não há fronteiras
Desse direito ele não abre mão
Quer um dia morar em um castelo
Será dono de navio e avião
Vai ter tantos carros
Terá tantas bicicletas
Que nessa escola
Não caberão

Vai crescer e ficar forte
Do tamanho de um gigante
Vai levar sua mãe
Pra um lugar bem distante
Com muitas flores
Perto do mar
Uma casa grande e bonita
Com banheiro e chuveiro
Pra banho tomar
Para mim promete dar
Um presente bem bonito
Quando pergunto o que vou ganhar
Fica um instante pensativo
Olha em meus olhos
Pergunta-me se gosto de pirulito

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O NOME

Como é difícil definirmos um nome para algo que criamos. O nome de um livro, o nome de um filho, um texto, uma pintura, enfim, uma criação.
Quando estamos em franco processo de desenvolvimento da obra, quando a criação ainda não se tornou criatura, pensamos em vários nomes, anotamos alguns, chegamos até a escolher e, aí, temos a firme convicção de que aquele é o melhor!
Não resta nenhuma dúvida, tudo combina, é a cara, é o nome ideal.
Depois, quando nos deparamos com o produto, ou melhor, a criatura prontinha, tudo vira uma loucura. O nome já não combina.
___Senhora gostou desse? Quer que eu o separe?
Olho-o sem entender. É o vendedor da livraria, tão absorta estava em meus devaneios, tive um leve sobressalto.
Recupero-me do primeiro momento de perplexidade, observo o livro que tenho nas mãos e, respondo entregando-lhe:
___Sim, pode separá-lo.
A variedade de nomes, às vezes estranhos, em livros é algo que me deixa sempre muito intrigada. Estou na livraria há horas, fascinada. Eu sempre fico fascinada em livrarias, o livro exerce esse poder quase mágico sobre mim.
O papel do livro é levar os saberes, a informação e mexer com os sentimentos das pessoas, descortinando novos horizontes e nos enriquecendo um pouco mais.
O livro se perpetua através dos tempos, registrando a vida da humanidade. Já foi temido, proibido, já foi queimado, mas, sempre renasceu das próprias cinzas, como Fênix, e continuará fazendo a história, se adequando dentro da era tecnológica, mas, insubstituível.
Quando pegamos um livro e adentramos suas páginas o milagre se faz, encontramos um mundo mágico, algo que nos transforma, que nos leva em uma viagem para dentro de nós mesmos. Sabemos que quando retornarmos nunca mais seremos os mesmos, algo foi acrescentado e é indivisível, só pertence a nós.
Podemos viajar também para outros lugares, os mais longínquos, nos deixamos levar pelo autor, o nosso piloto, nosso guia com o qual estabelecemos um pacto de confiança.
O escritor sabe das transformações que o livro faz na vida das pessoas, porque antes mesmo de escrever ele é um grande leitor e já foi fisgado, há muito, por esse mundo mágico das letras, é um amante das palavras.
A grande poetiza, Cora Coralina, do auto de sua sabedoria, dizia que o escritor deve falar de coisas simples, contar histórias próximas de sua própria realidade, pois, existe um universo a ser descoberto em cada pessoa.
Abro um, leio um trecho, depois outro, outro. Os nomes são um espetáculo à parte. Fico pensando como surgiram. Sim, porque o nome de um livro não é algo assim fácil de escolher. O nome pode representar a sentença de vida ou morte da obra. O nome precisa representar todo o contexto ou, motivo principal, a idéia motora, que vai conduzir todo o percurso da história, que vai ser fiel aos personagens e, esses personagens precisam conduzir o leitor dentro da trama, ao significado do título.
Em um livro de poesias, por exemplo, observo que, na maioria das vezes, o poeta escolhe o nome de uma das poesias para representar toda a obra, dando esse nome ao livro.
Aquela poesia cumpre o importante papel de levar toda a história que o autor deseja passar, ou, representar de forma mais abrangente os sentimentos, muitas vezes contraditórios, nos momentos de criação.
Na poesia está materializado algo que quase passou, se não houvesse o registro, o olhar atento do poeta, dando vida e forma, seria uma simples fumaça, uma neblina, ou quem sabe uma onda. Como a onda do mar que vem forte, monstruosa, cheia de curvas, sensual, mas, sua existência é efêmera, beija a areia e morre.
___Senhora, gostou desse? Quer que eu o separe? Pergunta novamente o vendedor.
___Sim, pode separá-lo, respondo, entregando mais um livro para o vendedor.
E aí, qual o nome?
O nome precisa combinar, mas não pode ser aquela combinação evidente, precisa ser a cara, mas, não ser identificado logo de cara, ninguém pode bater os olhos e dizer que é a cara. Não, essa evidência não pode estar evidente. Precisa estar ocultada, ser procurada, relacionada. O nome precisa mencionar aquela situação, sutilmente, levar o leitor a pensar sobre, aquela coisa de ver e lembrar, tentar captar a mensagem.
Pego outro livro, esse possui um nome próprio, penso deve ser a personagem principal.
O nome de alguém pode não ser muito criativo, mas, deixa o leitor menos ansioso, talvez a identificação seja mais rápida, afinal, o que pode acontecer com a personagem que ele próprio já não saiba? O sofrimento, a morte, o amor, a solidão, enfim, tudo que vier será da condição humana.
Engloba tudo, nessa história tudo pode acontecer. Pode-se rir e, ou chorar, faz parte da história de cada um.
___Senhora, gostou desse?
___Sim, sim pode separá-lo.
Pego outro livro com um nome que me lembra fogo. Dou uma folheada, leio alguns trechos, mas não percebo as chamas, o que complica mais ainda. Taí um nome já queimado. Imagino que a história foi muito ardente, pegou fogo, mas, depois só restaram as cinzas. Esse nome não foi feliz, já nasceu morto.
O nome acaba sendo quase outra obra. Daria uma nova história e, isso já está acontecendo. Essa é uma outra história, que também, precisa ter um nome. O nome, do nome da história que procura um nome.
___Senhora ...
___Sim, sim, sim pode embrulhar tudo, vou levar todos.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

De quantas coisas não preciso para ser feliz??????

Frei Betto

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?' Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação! Estamos construindo super-homens e super mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa? Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais.... A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva.. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro,você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose. O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, autoestima, ausência de estresse. Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas... Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Deve-se passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald... Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz !"

sexta-feira, 16 de abril de 2010

DISSIMULADO

Joga a mochila
Perde o chinelo
Ele é todo desligado
Fala depressa gaguejando
Chupeta na boca
Nariz com catarro

Ninguém é mais teimoso
Suas proezas não tem limite
Quando percebe que estou brava
Ignora minha irritação
Mas, quando quer levar vantagem
Presta logo atenção

sábado, 10 de abril de 2010

REJEIÇÃO

Eu sei de você, menina, eu sei

Pele cor de piche
Olhos de ébano
Cabelo duro
Que não se movem ao vento
Grossos lábios, nariz achatado
É sua identidade
É sua marca registrada
Raça valorosa
Por muitos incompreendida
Por muitos desprezada
Você, ainda, não entende porque
Mas, sente que é rejeitada

Eu sei de você, menina, eu sei

Precisa chamar a atenção
Descobrir um jeito de ser amada
Como aquela coleguinha
De cabelo cacheado
Olhos azuis, rosto corado
Sempre querida e acariciada
Fazendo você infeliz e amargurada
Desencadeando em você a fúria
De um ciúme violento, latente
Você bate
Você xinga
Você cospe nessa gente

Eu sei de você, menina, eu sei...

sábado, 27 de março de 2010

MUDEI DE IDÉIA...

___Querida, comprei os ingressos para o show desta noite.
___ Mas porque você comprou? Eu não vou.
___ Como assim? Ainda hoje de manhã nos combinamos ir,
você estava super animada, o que aconteceu?
___ Não aconteceu nada, eu apenas mudei de idéia,
eu sou assim mesmo, não sabia?
Nós estávamos namorando há apenas um mês e ele,
ainda, não me conhecia o bastante para saber que eu mudo de idéia.
Não são exatamente mudanças de humor,
mas, quando eu quero algo ou alguém,
exagero em meus desejos,
vivencio com muita intensidade a situação
antes mesmo que ela ocorra de fato, vou fundo demais,
depois fico com ressaca.
Esse show, por exemplo, eu já tinha ido e voltado, em pensamento, e,
o que é pior, não havia gostado.
O salão estava muito cheio, pessoas se esbarrando,
alguns fãs mais exaltados pulando, pisando em meus pés,
o jogo de luz deixando a gente tonta,
o bar lotado, com filas quilométricas para pegar uma cerveja,
o banheiro sem condição, nojento,
cheio de urina no chão, sem papel higiênico,
a descarga não funcionava, a torneira do lavatório saia um pingo de água,
apenas um pequeno espelho na parede, onde todo mundo queria retocar a maquiagem.
E o palco, como ver o artista no palco?
Parece que todas as pessoas são mais altas que eu.
E meus pés, como doem meus pés nesses tamancos de salto alto.
___ Mas, querida você estava planejando ir nesse show há tanto tempo,
como pode ter mudado de idéia?
___ Por favor amor, não vamos falar sobre isso,
você não vai entender, eu quero apenas que aceite o fato.
Lamento que você perca seus ingressos, ou melhor, seu dinheiro,
mas eu não vou mais ao show.
É sempre assim, quando eu mudo de idéia. As pessoas não querem aceitar.
Afinal o que pode haver de tão estranho nisso?
Outro dia, apenas porque eu já tinha comprado a passagem,
para ir no próximo feriado,
aproveitando o calor, pegar uma praia e,
agora não quero mais viajar,
não quer dizer que sou uma pessoa imprevisível.
Só mudei de idéia.
Eu já sei que nas cidades praianas o tempo é muito instável,
eu deveria levar roupas para sol e para chuva,
a casa alugada ficava bem distante da praia,
seria aquela loucura de levantar cedo,
arrumar tudo que deveria levar para praia,
carregar aquelas mochilas pesadas e,
no final esquecer o protetor solar,
brigar por um espaço na praia lotada para,
finalmente,
conseguir armar a barraca,
estender a toalha, que fica toda cheia de areia,
comprar aquela cerveja quente do primeiro vendedor ambulante que passa,
porque está morrendo de sede,
ir à primeira barraca enfrentar uma fila enorme,
para pedir uma porção de camarões que vem meio crua e,
com uma fome terrível, comer avidamente,
depois ficar com a sensação de ter comido baratas,
pensar que a vida é bela,
você é uma pessoa privilegiada por estar fora de sua cidade,
desfrutando um final de semana prolongado na praia e,
quando voltar vai comentar isso com seus amigos,
inventando um monte de mentiras,
dizendo que a viagem foi maravilhosa,
morrendo de frustração por dentro,
mas, matando os outros de inveja.
Por isso eu mudei de idéia.
Quando eu me apaixono por alguém,
é claro não fico apenas imaginando.
Começa o namoro. No início tudo é lindo.
A gente está apaixonada, morrendo de tesão,
pensa que aquele amor é para sempre.
Agradece a Deus por ter colocado em seu caminho essa pessoa especial,
diferente de todas as outras,
a gente até acredita naquela máxima da alma gêmea,
só pode ser sua outra metade.
Mas, quando a poeira de seus olhos vai se dissipando,
os seus sentidos voltando a ter sentido,
a gente muda de idéia.
A gente começa a enxergar, cheirar e,
principalmente, ouvir melhor.
São detalhes que antes não mereciam nenhuma reprovação,
pelo contrário, eram motivos de atração, agora nos parece horrorosos.
Tudo que era charmoso, agora é repulsivo.
O jeito de andar que antes me parecia tão másculo,
agora parece afeminado, acho até que ele rebola,
será que estava fazendo charme para algum homem e eu nem percebia?
E o cheiro?
Acho que ele não gosta muito de tomar banho,
o odor de suor e chulé é insuportável.
E os dentes?
Tenho certeza de que ele não os escova regularmente.
Fio dental? Deve pensar que é sinônimo de calcinha minúscula.
Roncos?
É como se estivesse abrindo uma cratera no cérebro da gente,
um complô, um plano para te enlouquecer.
Aquele som medonho não pode ser obra única e exclusiva de um ser humano.
É inacreditável que uma criatura possa extrair de dentro de si um ruído tão esmagador.
Não consigo meu amor, o tesão acabou.
Sou muito imperfeita pra aceitar essa situação.
Mudei de idéia.

quarta-feira, 24 de março de 2010

AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO...

A afetividade nas relações dentro da sala de aula,
notadamente, entre professor/aluno são muito marcantes.
Essas impressões afetivas podem acompanhar o educando
ao longo de sua vida, tanto no meio educacional,
como para além dos muros escolares e
irão influenciar na sua formação como cidadão,
em toda sua amplitude humana.
Quando o educador olha seu educando como um todo a ser considerado,
ele quebra o paradigma do relacionamento formal e
cria um relacionamento interpessoal,
transportando para a educação esta convivência,
promovendo uma aprendizagem significativa e qualitativa.
São observações que nos levam a delinear um novo caminho,
certamente trabalhoso, mas, repleto de esperança e conquistas.
A teoria de Carl Rogers,
convida todos a refletir sobre as profundas mudanças
necessárias na educação:

"Por aprendizagem significativa entendo uma aprendizagem
que é mais do que uma acumulação de fatos.
É uma aprendizagem que provoca uma modificação,
quer seja no comportamento do indivíduo,
na orientação futura que escolhe ou nas suas atitudes e personalidade.
É uma aprendizagem penetrante,
que não se limita a um aumento de conhecimentos,
mas que penetra profundamente todas as parcelas da sua existência."
Rogers, in Tornar-se Pessoa, 1988, editora Martins Fontes.

quinta-feira, 18 de março de 2010

UM POUCO DE FILOSOFIA...

Estudos de Filosofia (do livro: Filosofando - Introdução à Filosofia)
Maria Lúcia de Arruda Aranha
Maria Helena Pires Martins

Faça distinção entre instinto e inteligência.

A ação instintiva é regida por leis biológicas,
idênticas nas espécies e invariáveis de indivíduo para indivíduo.
Essa rigidez dá a ilusão da perfeição quando o animal,
especializado em determinados atos, os executa com estrema habilidade.
Não há quem não tenha ainda observado com atenção
e pasma o “trabalho” paciente da aranha tecendo a teia.
Mas esses atos não têm história, não se renovam e são os mesmos
em todos os tempos, salvo as modificações determinadas
pela evolução das espécies e as decorrentes das mutações genéticas.
No entanto, mesmo quando há essas modificações,
elas continuam valendo para todos os indivíduos da espécie
e não permitem inovações, passando a ser transmitidas hereditariamente.
O hábito de fazer ninhos é tão fixo que certas aves chamadas tentilhões,
que, após cinco gerações criados por canários,
continuavam a construir ninhos típicos da espécie.
O psicólogo Paul Guillaume,
explica que um ato inato não precisa surgir desde o início da vida,
pois muitas vezes aparece apenas mais tarde,
no decorrer do desenvolvimento.
Assim, por exemplo, andorinhas novas, impedidas de voar até certa idade,
de repente começam a voar sem muita dificuldade.
Gatinhos novos não esboçam nenhuma reação diante de ratos,
mas, com o passar do tempo desenvolvem o instinto natural da espécie:
perseguição, captura, matança.
É costume dizer que os instintos são “cegos”, ou seja,
são uma atividade que ignora a finalidade da própria ação.
Assim, por exemplo, uma vespa “fabrica” uma célula onde deposita o ovo,
em seguida, caça aranhas e coloca-as junto ao ovo,
para que a larva, ao~~ nascer, encontre alimento suficiente.
Ora, se retirarmos as aranhas e o ovo,
mesmo assim o inseto continuará todas as operações,
terminando pelo fechamento adequado da célula vazia.
Dizemos que esse comportamento é “cego” porque não leva em conta o sentido principal,
que deveria determinar a “fabricação” da célula,
ou seja, a preservação do ovo e da futura larva.
O ato humano voluntário, ao contrário, é consciente da finalidade,
isto é, o ato existe antes como pensamento,
como uma possibilidade, e a execução é o resultado da escolha
dos meios necessários para atingir os fins propostos.
E caso haja interferências externas no processo,
os planos também são modificados.
No entanto, nos níveis mais altos da escala zoológica,
as ações animais deixam de ser exclusivamente resultado de reflexos e instintos e
apresentam uma plasticidade maior,
características dos atos inteligentes.
Ao contrário da rigidez dos instintos, a resposta inteligente a um problema,
ou a uma situação nova para a qual não há uma programação biológica,
é improvisada, pessoal e criativa.
Experiências interessantes foram realizadas
pelo psicólogo gestaltista Kohler nas ilhas Canárias,
onde instalou uma colônia de chimpanzés.
Um dos experimentos consistia em colocar o animal faminto numa jaula
onde se pendurava uma banana,
e o problema era resolvido
quando o chimpanzé conseguia puxar um caixote
e o colocava sob a fruta para poder alcançá-la.
Isto não se dava de imediato,
mas no momento em que o animal tinha um discernimento,
uma “iluminação súbita”, isto é, quando, segundo Kohler,
o macaco conseguia ter uma visão do campo global
e estabelecia a relação entre o caixote e a fruta.
Esses dois elementos, que se achavam separados e independentes,
passam a fazer parte de uma totalidade:
Este tipo de resposta é inteligente, e não instintiva, e varia de animal para animal.
Tanto é que Sultão, um dos chimpanzés mais inteligentes,
foi o único que conseguiu encaixar um bambu em outro para alcançar a fruta.
Trata-se, porém, de um tipo de inteligência concreta,
ou seja, depende da experiência vivida “aqui e agora”;
mesmo quando o animal repete mais rapidamente o teste já aprendido,
o seu ato não domina o tempo, pois, a cada momento em que é executado,
esgota-se no seu movimento.
Em outras palavras, o animal não inventa o instrumento,
não o aperfeiçoa, nem o conserva para uso posterior.
Portanto, o gesto útil não tem seqüência
e não adquire o significado de uma experiência propriamente dita.

A atividade humana: o trabalho

Como vimos, não podemos dizer que o animal produz a sua própria existência,
mas apenas a conserva agindo instintivamente ou,
quando se trata de animais de maior complexidade orgânica,
“resolvendo” problemas de maneira inteligente.
Esses atos visam a sua defesa, a procura de alimentos e de abrigo,
e não devemos pensar que o castor, ao construir o dique,
e o João-de-Barro, a sua casinha, estejam “trabalhando”.
Se o trabalho é a ação transformadora da realidade,
na verdade o animal não trabalha mesmo
quando cria resultados materiais com sua atividade,
pois sua ação não é deliberada, nem intencional.
O trabalho humano é a ação dirigida por finalidades conscientes,
a resposta aos desafios da natureza, na luta pela sobrevivência.
Ao reproduzir técnicas que outros homens já usaram e ao inventar outras novas,
a ação humana se torna fonte de idéias e ao mesmo tempo
uma experiência propriamente dita.
A noção de experiência humana não se separa do caráter abstrato da inteligência do homem,
pela qual ele pode superar a vivência do “aqui e agora”, passando a existir no tempo:
torna-se capaz de lembrar a ação feita no passado e de projetar a ação futura.
Isto é possível pelo fato de poder representar o mundo por meio da linguagem simbólica,
como veremos mais adiante.
A partir dessas colocações, concluímos que as diferenças entre o homem e o animal
não são apenas de grau, pois,
enquanto o animal permanece envolvido na natureza,
o homem é capaz de transformá-la, tornando possível a existência da cultura.

sábado, 13 de março de 2010

" O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO"

José Antônio Oliveira de Resende Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas.
Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido.
Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé.
Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo.
E os donos da casa recebiam alegres a visita.
Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos.
Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
_ Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala.
Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre.
Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora.
A nossa também era assim. Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras.
Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes.
Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
_Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica.
O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também.
Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança.... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina.
Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida.
Era assim também lá em casa.
Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia.
Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta.
Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão.
Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail...
Cada um na sua e ninguém na de ninguém.
Não se recebe mais em casa.
Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
_Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!