quinta-feira, 29 de abril de 2010

O NOME

Como é difícil definirmos um nome para algo que criamos. O nome de um livro, o nome de um filho, um texto, uma pintura, enfim, uma criação.
Quando estamos em franco processo de desenvolvimento da obra, quando a criação ainda não se tornou criatura, pensamos em vários nomes, anotamos alguns, chegamos até a escolher e, aí, temos a firme convicção de que aquele é o melhor!
Não resta nenhuma dúvida, tudo combina, é a cara, é o nome ideal.
Depois, quando nos deparamos com o produto, ou melhor, a criatura prontinha, tudo vira uma loucura. O nome já não combina.
___Senhora gostou desse? Quer que eu o separe?
Olho-o sem entender. É o vendedor da livraria, tão absorta estava em meus devaneios, tive um leve sobressalto.
Recupero-me do primeiro momento de perplexidade, observo o livro que tenho nas mãos e, respondo entregando-lhe:
___Sim, pode separá-lo.
A variedade de nomes, às vezes estranhos, em livros é algo que me deixa sempre muito intrigada. Estou na livraria há horas, fascinada. Eu sempre fico fascinada em livrarias, o livro exerce esse poder quase mágico sobre mim.
O papel do livro é levar os saberes, a informação e mexer com os sentimentos das pessoas, descortinando novos horizontes e nos enriquecendo um pouco mais.
O livro se perpetua através dos tempos, registrando a vida da humanidade. Já foi temido, proibido, já foi queimado, mas, sempre renasceu das próprias cinzas, como Fênix, e continuará fazendo a história, se adequando dentro da era tecnológica, mas, insubstituível.
Quando pegamos um livro e adentramos suas páginas o milagre se faz, encontramos um mundo mágico, algo que nos transforma, que nos leva em uma viagem para dentro de nós mesmos. Sabemos que quando retornarmos nunca mais seremos os mesmos, algo foi acrescentado e é indivisível, só pertence a nós.
Podemos viajar também para outros lugares, os mais longínquos, nos deixamos levar pelo autor, o nosso piloto, nosso guia com o qual estabelecemos um pacto de confiança.
O escritor sabe das transformações que o livro faz na vida das pessoas, porque antes mesmo de escrever ele é um grande leitor e já foi fisgado, há muito, por esse mundo mágico das letras, é um amante das palavras.
A grande poetiza, Cora Coralina, do auto de sua sabedoria, dizia que o escritor deve falar de coisas simples, contar histórias próximas de sua própria realidade, pois, existe um universo a ser descoberto em cada pessoa.
Abro um, leio um trecho, depois outro, outro. Os nomes são um espetáculo à parte. Fico pensando como surgiram. Sim, porque o nome de um livro não é algo assim fácil de escolher. O nome pode representar a sentença de vida ou morte da obra. O nome precisa representar todo o contexto ou, motivo principal, a idéia motora, que vai conduzir todo o percurso da história, que vai ser fiel aos personagens e, esses personagens precisam conduzir o leitor dentro da trama, ao significado do título.
Em um livro de poesias, por exemplo, observo que, na maioria das vezes, o poeta escolhe o nome de uma das poesias para representar toda a obra, dando esse nome ao livro.
Aquela poesia cumpre o importante papel de levar toda a história que o autor deseja passar, ou, representar de forma mais abrangente os sentimentos, muitas vezes contraditórios, nos momentos de criação.
Na poesia está materializado algo que quase passou, se não houvesse o registro, o olhar atento do poeta, dando vida e forma, seria uma simples fumaça, uma neblina, ou quem sabe uma onda. Como a onda do mar que vem forte, monstruosa, cheia de curvas, sensual, mas, sua existência é efêmera, beija a areia e morre.
___Senhora, gostou desse? Quer que eu o separe? Pergunta novamente o vendedor.
___Sim, pode separá-lo, respondo, entregando mais um livro para o vendedor.
E aí, qual o nome?
O nome precisa combinar, mas não pode ser aquela combinação evidente, precisa ser a cara, mas, não ser identificado logo de cara, ninguém pode bater os olhos e dizer que é a cara. Não, essa evidência não pode estar evidente. Precisa estar ocultada, ser procurada, relacionada. O nome precisa mencionar aquela situação, sutilmente, levar o leitor a pensar sobre, aquela coisa de ver e lembrar, tentar captar a mensagem.
Pego outro livro, esse possui um nome próprio, penso deve ser a personagem principal.
O nome de alguém pode não ser muito criativo, mas, deixa o leitor menos ansioso, talvez a identificação seja mais rápida, afinal, o que pode acontecer com a personagem que ele próprio já não saiba? O sofrimento, a morte, o amor, a solidão, enfim, tudo que vier será da condição humana.
Engloba tudo, nessa história tudo pode acontecer. Pode-se rir e, ou chorar, faz parte da história de cada um.
___Senhora, gostou desse?
___Sim, sim pode separá-lo.
Pego outro livro com um nome que me lembra fogo. Dou uma folheada, leio alguns trechos, mas não percebo as chamas, o que complica mais ainda. Taí um nome já queimado. Imagino que a história foi muito ardente, pegou fogo, mas, depois só restaram as cinzas. Esse nome não foi feliz, já nasceu morto.
O nome acaba sendo quase outra obra. Daria uma nova história e, isso já está acontecendo. Essa é uma outra história, que também, precisa ter um nome. O nome, do nome da história que procura um nome.
___Senhora ...
___Sim, sim, sim pode embrulhar tudo, vou levar todos.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

De quantas coisas não preciso para ser feliz??????

Frei Betto

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?' Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação! Estamos construindo super-homens e super mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa? Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais.... A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva.. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro,você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose. O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, autoestima, ausência de estresse. Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas... Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Deve-se passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald... Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz !"

sexta-feira, 16 de abril de 2010

DISSIMULADO

Joga a mochila
Perde o chinelo
Ele é todo desligado
Fala depressa gaguejando
Chupeta na boca
Nariz com catarro

Ninguém é mais teimoso
Suas proezas não tem limite
Quando percebe que estou brava
Ignora minha irritação
Mas, quando quer levar vantagem
Presta logo atenção

sábado, 10 de abril de 2010

REJEIÇÃO

Eu sei de você, menina, eu sei

Pele cor de piche
Olhos de ébano
Cabelo duro
Que não se movem ao vento
Grossos lábios, nariz achatado
É sua identidade
É sua marca registrada
Raça valorosa
Por muitos incompreendida
Por muitos desprezada
Você, ainda, não entende porque
Mas, sente que é rejeitada

Eu sei de você, menina, eu sei

Precisa chamar a atenção
Descobrir um jeito de ser amada
Como aquela coleguinha
De cabelo cacheado
Olhos azuis, rosto corado
Sempre querida e acariciada
Fazendo você infeliz e amargurada
Desencadeando em você a fúria
De um ciúme violento, latente
Você bate
Você xinga
Você cospe nessa gente

Eu sei de você, menina, eu sei...